Conceição

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Meu nome é Conceição e moro no Salsa e Merengue, no Complexo da Maré. Sou de Minas Gerais e vim para cá quando tinha 19 anos. Vim para passear, comecei a trabalhar e acabei ficando, minha mãe também veio e está morando aqui também na outra rua. Meu marido é maranhense, nos conhecemos aqui, tivemos nosso filho, Marley, e agora estamos aqui, contando nossa história.

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Marley nasceu com hidrocefalia e mielomeningocele, um problema de saúde que afeta a coluna e assim ele não consegue andar direito. Em casa anda um pouco no andador e quando saímos ele usa uma cadeira de rodas. Mas ele dança, joga bola, brinca com as outras crianças, não depende muito de outras pessoas. Se eu quiser que ele vá na padaria ele vai lá sozinho, se eu quiser que ele vá para a escola sozinho ele vai. Tem mães que não aceitam seus filhos porque nasceram assim – eu não. Nunca questionei, nunca falei: “ah, minha vida está arruinada porque meu filho é assim”. Sempre andei muito bem, sempre tentei fazer o melhor para ajudar ele.

A experiência de ter Marley não mudou minha perspectiva de vida, só não quis ter outro filho porque ele ainda tem mais para desenvolver, e cuidar de duas crianças seria difícil. Quando ele nasceu ele tomou muitos remédios e um deles atrapalhou o seu crescimento. Os medicamentos eram caros e não temos plano de saúde; a farmácia nunca tinha; e percebi que ele não estava crescendo, praticamente não comia nada e o remédio não estava resolvendo o problema dele. Fui ver outro médico e ele falou: “esse remédio está atrapalhando ele e tomá-lo é o mesmo que nada”. Caramba, eu estava comprando esse remédio a vida inteira, dos primeiros meses de nascimento até os 5 anos, não podia guardar dinheiro, e para que? Depois que mudou, ele começou a comer melhor e se desenvolveu bastante. Já está quase do meu tamanho, já está dançando comigo.

Eu trabalhava cuidando de uma senhora mas quando Marley nasceu tive que parar para poder cuidar dele. A gente gastava muito com fralda, com médicos, com outras coisas, e era difícil quando eu não estava trabalhando. Uma amiga me falou que tinha uma moça que estava precisando de alguém para trabalhar como diarista, ela disse que se eu falasse que tinha uma criança assim, a moça não iria aceitar por causa das complicações. Mas fui lá, falei com ela, contei minha história, e a moça falou que não tinha problema, que quando eu precisasse podia levar ele para o médico e voltar no dia seguinte. Fiquei trabalhando para ela, ela me apresentou uma amiga para trabalhar e estou lá há quase 12 anos como diarista, trabalhando em Copacabana e outras partes da zona sul.

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Sempre moramos aqui na Maré, primeiro na Vila do João e daí viemos para o Salsa e Merengue, quando Marley nasceu. Aqui é muito legal, vou na rua e os carros param para eu passar com ele, todo mundo vem falar com ele e diz: “e aí, menor!”, brincam e conversam com ele normalmente. Fora da favela, as pessoas te olham como se fosse um ET. A gente pega ônibus e tem um lugar especial para cadeirante, mas às vezes quando está cheio as pessoas não desocupam o espaço. Eu falo: “pelo amor de Deus, vocês não estão vendo que está entrando um cadeirante?” Um dia estávamos voltando do médico dele e dois ônibus não quiseram nos pegar porque estavam muito cheios. Quando passou o terceiro ônibus cheio comecei a reclamar: “gente, eu vou chegar em casa que horas com meu filho, meia-noite? Eu vou ter que dormir aqui no meio da rua?” Daí o motorista desceu e nos ajudou a subir. Às vezes quando falo assim Marley fica sem graça e diz: “aí mãe, para mãe!” mas eu sempre digo: “Filho, se a gente for aceitar as coisas como elas são, ninguém vai fazer nada, então a gente tem que falar.”

O fato é que a maioria das pessoas só pensa no bem estar delas, igual ao prefeito e o governo. Eles quiseram fazer tudo bonito para as Olimpíadas, mas acabou que se deram mal, tem tantas obras e cada uma está faltando alguma coisa. Eu sempre vejo, hoje quebrou um buraco na Nossa Senhora de Copacabana, fechou o buraco, e amanhã, se você passar lá no mesmo lugar, tem o mesmo buraco de novo. Como é que não conseguem fechar um simples buraco? Meu pai! Daí eles dizem que não tem dinheiro para terminar as obras, mas para onde está indo esse dinheiro? Não é para o meu bolso. O estado está falido, os hospitais estão falidos. Nesse mês, Marley tem uma consulta médica mas não sei como é que vai ser. O hospital é lá na Barra, onde está tendo as Olimpíadas e tem muitas pistas que vão ser fechadas, tem bastante pessoa que vai precisar ser atendida, então estão remarcando tudo para depois.

As vezes as pessoas falam: “Ele não tem direito a fazer isso”. Ele tem direito em tudo, sabe por quê? Porque eu vou dar para ele. Se esperarmos o governo não vamos conseguir nada – daqui a dez anos eles te dão uma casa, daqui a dez anos fazem uma rampa na escola dele. Então tenho que batalhar, tenho que lutar sozinha, aproveitando enquanto ele ainda é pequeno e que tenho minha mãe para ajudar a cuidar dele porque, mais para frente, quando ele crescer mais, vou ter que parar de trabalhar tanto para poder dar mais atenção a ele. Às vezes, ele briga comigo porque sou muito ausente mas eu falo: “Filho, agora estou trabalhando, tenho que correr atrás dessas coisas enquanto você está pequeno.”

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As pessoas acham que uma criança como ele não faz nada. Temos nossas pernas, temos nossos braços e vemos uma pessoa assim e pensamos que nunca brincou. Às vezes, as pessoas olham para ele e falam: “Aí tadinho”, e eu sempre digo: “Eu não sei porque você fala isso. Ele é tão feliz, faz tantas coisas, se você ficar um dia com ele vai ver o quanto ele faz”. A gente é tão acostumado a ter nossos braços, tão acostumado a ter nossas pernas que se quebramos um osso dizemos: “Eu não faço mais nada”. Serve até de uma lição para nós, que as vezes tem gente que não tem braço, que não tem perna, mas faz tudo, e nós que temos todas as partes do corpo botamos mil e uma dificuldades para não fazer aquela coisa.

No futuro, quando Marley crescer, eu quero ver ele estudado, com uma formação. Está na terceira série, um pouco atrasado devido ao crescimento dele, mas apesar das dificuldades ele está ali aprendendo. Adora dançar, adora música, adora fazer esporte. Quem sabe, talvez um dia ele seja um esportista de nome. O que espero dele mesmo é que ele se desenvolva, que se case, que tenha uma família, uma esposa, filhos, gatos, cachorros, passarinhos. Quero que ele tenha coisas boas na vida para eu poder sentir aquele orgulho e dizer: “Olha, esse é meu filho”.

Outro dia alguém falou para mim: “Você é uma mãe batalhadora, merece um prêmio”. Falei muito obrigada mas o premio maior, quem me dá é Deus. Tenho meu filho e ele é uma pessoa que sente muito carinho por mim, quando saio de casa falo com ele, quando chego em casa ele vem e me dá um abraço. Sinto aquela coisa gostosa que você sente quando está com uma pessoa que te ama, que transmite coisas boas. Esse é meu premio, meu premio maior na vida é poder ter ele, cuidar dele, fazer aquilo que posso por ele. Ele é meu príncipe.

 

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